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Improvisação musical: pura inspiração ou reorganização dinâmica do cérebro?

Análise ao cérebro de pianistas de jazz enquanto tocavam música em diferentes níveis de liberdade criativa revelou que improvisar é mais do que inspiração, uma vez que exige uma reorganização dinâmica do cérebro entre emoção, técnica e estrutura.

Equipa internacional de investigadores estudou o cérebro de 16 pianistas de jazz enquanto tocavam uma música de memória, de improviso com base na melodia e de livre improviso com base nos acordes. A análise de como diferentes níveis de liberdade criativa ativam redes cerebrais específicas revelou que improvisar é mais do que apenas sentir inspiração, pois implica uma reorganização dinâmica do cérebro entre emoção, técnica e estrutura.

A criatividade é geralmente definida como a capacidade de gerar ideias ou produtos que sejam simultaneamente novos e apropriados a um determinado contexto. Apesar de décadas de investigação, estudar a criatividade em ação continua a ser um desafio, devido à sua natureza abstrata e à dificuldade de captar processos criativos em tempo real.

A improvisação musical é vista como uma manifestação extraordinária da criatividade humana. Ao ser simultaneamente espontânea e estruturada, permite observar como o cérebro gera ideias novas e relevantes em tempo real. Foi precisamente esta característica que levou uma equipa internacional de investigadores a estudar o cérebro de 16 pianistas de jazz experientes enquanto tocavam o standard “Days of Wine and Roses” em três condições distintas: tocar de memória (byHeart), improvisar com base na melodia (iMelody) e improvisar livremente com base nos acordes (iFreely).

No artigo Creativity in Music: The Brain Dynamics of Jazz Improvisation, publicado em setembro na revista científica Annals of the New York Academy of Sciences, os investigadores explicam que analisaram como diferentes níveis de liberdade criativa ativam redes cerebrais específicas, com recurso à ressonância magnética funcional e ao método Leading Eigenvector Dynamics Analysis (que acompanha como o cérebro se reorganiza dinamicamente em diferentes subestados de redes ao longo do tempo).

Com o apoio da Fundação Bial, o projeto foi realizado no Center for Music in the Brain, da Universidade de Aarhus, Dinamarca. A equipa liderada por Henrique Fernandes (Universidade de Aarhus/The Royal Academy of Music), sob supervisão de Peter Vuust, observou que, nas duas condições de improvisação, houve maior ativação nas redes auditivas, motoras e de saliência, associadas à perceção musical, execução motora e prazer. Em contraste, redes ligadas ao pensamento espontâneo, reflexão e tomada de decisão, como a Default Mode Network e a Executive Control Network, estiveram envolvidas de forma diferente consoante o nível de liberdade improvisacional. A improvisação mais livre (iFreely) foi marcada por maior coativação dessas redes num subestado distinto, possivelmente apoiando um planeamento complexo.

“Os resultados obtidos revelaram que o aumento da liberdade improvisacional corresponde a uma mudança no envolvimento das redes cerebrais, desde uma maior ativação das redes executivas e avaliativas na improvisação mais constrangida, até uma atividade intensificada nas redes auditivo-motoras e de saliência durante formas mais livres de expressão criativa”, refere o coordenador do projeto, que inclui também investigadores portugueses do ICVS - Life and Health Sciences Research Institute, Escola de Medicina, Universidade do Minho.

Ao identificar subestados específicos associados a diferentes níveis de liberdade criativa, este estudo oferece novos contributos para a compreensão das dinâmicas cerebrais subjacentes à improvisação musical, propondo um método escalável para explorar a base neural do comportamento criativo espontâneo.

“Estes resultados expandem os modelos existentes de improvisação ao enfatizar a reconfiguração dinâmica de redes específicas e gerais, destacando também a importância da interação entre redes ao longo do tempo, em vez da ativação estática isolada”, revela Henrique Fernandes.

Saiba mais sobre o projeto “263/20 - Brain routes to creativity: Uncovering creative flow in Jazz with neuromodulation” aqui. Para questões relacionadas com o projeto, contacte o Diretor do Center for Music in the Brain, Peter Vuust (vuust@clin.au.dk).

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